Emissor
A comunicação
literária, segundo Aguiar e Silva (1984), é uma comunicação do tipo disjuntivo,
isto é, ocorre in absenti, de uma das
instâncias designadas por emissor e por receptor e com um lapso temporal de
maior ou menor amplitude entre o momento de emissão e o momento de recepção.
A comunicação literária é destituída de um contexto de
situação idêntico ao contexto de situação de comunicação linguística, uma vez
que este não é bidireccional, ou seja não há reversibilidade das funções de
emissor e do receptor, esta é unidireccional.
Analisando a figura de emissor, Aguiar e Silva (1984),
afirma que o emissor é a instância que produz a mensagem, e pode também ser
designada por fonte. E no contexto da comunicação literária, são atribuídas ao
emissor as designações genéricas de autor, escritor e poeta.
Etimológica e semanticamente, poeta é aquele que faz,
aquele que produz e executa. Autor é aquele que esta na origem de algo, aquele
que faz produzir e crescer e que é também, em conformidade como uso jurídico do
vocábulo, o garante. Escritor é aquele que utilizando um código grafémico,
transmite determinados sinais através de determinado canal produzindo mensagens
com determinadas características sintácticas, semânticas e pragmáticas.
O emissor/autor de um texto literário é a instância
imediatamente responsável pela produção desse texto, e é sempre um sujeito
empírico e histórico, ou seja, é uma entidade física, registada e identificada
o qual podemos contacta-lo e trocar impressões. Contudo, por vezes os textos
literários podem se apresentar como anónimos, apresentando-se sem nome, sem
autor, isto é devido a censura ou imposição extrema, como se verificou em
certos momentos da história da humanidade. Existem outras formas de se
apresentar o emissor nos textos literários, por exemplos, alguns usam o
pseudónimo, onde o autor assina o texto usando um nome fictício, usa um outro
nome que não seja realmente seu. Por
exemplo no contexto da literatura moçambicana temos o escritor Ungulane Ba Ka
Khosa, cujo seu nome de identificação é Francisco Esaú Cossa, mas assina os
seus textos usando o primeiro nome acima citado. Outros autores usam os
heterónimos, isto é, criam um autor dotado de personalidade própria, que
torna-se responsável pela produção do texto, um dos exemplos mais
significativos do uso desta técnica é o poeta português Fernando Pessoa, cujos
seus textos eram assinados usando vários heterónimos, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro.
Aguiar e Silva apresenta-nos algumas possibilidades das
quais os emissores podem usar para assinar os seus textos. Os textos podem ser
anónimos, podem ser assinados usando o pseudónimo ou heterónimo. E explica as
razões de um texto ser apresentado com um autor anónimo, contudo, não explica
quais as razões que levam um autor a assinar usando heterónimos.
Criação ou produção literária.
Neste capitulo Aguiar e Silva procura explicar
qual deve ser o conceito a usar no âmbito da comunicação literária, uma vez que
existe uma problemática no concernente ao uso do termo, isto é, qual é o termo
que se enquadra no âmbito da actividade do emissor. Pode-se chamar criação ou
produção?
Mas antes, explica que até meados do século XVIII, a
poesia e a poética estava ligada ao princípio aristotélico de mimese,
representação, imitação. E com o movimento renascentista, surge a chamada
teoria de génio, aquele que cria que faz as coisas aparecerem do nada, a
epifania. O que se contrapõem a produção, uma vez que produção implica
trabalho, investigação, observação, etc.
E para tal recorre a pontos de vista adoptado por alguns
autores, por exemplo, cita Macherey, que defende que o conceito de criação,
implica o mistério, a epifania, o dom inexplicável e, por outro lado elimina,
ou oculta o trabalho real que esta na origem da obra literária. E Benjamim, que
sustenta que a arte se encontra dependente de certa técnicas de produção que
por sua vez, se integra num conjunto de relações sociais instituídas entre o
produtor artístico e o seu público. E é neste contexto que o termo criação vai
sendo desvalorizado, uma vez que exclui de certa forma o trabalho, ao olhar o
escritor, poeta, autor como um indivíduo dotado de ”poderes mágicos “.
O texto literário é resultado de trabalho, que é uma
actividade ou pratica social, desenvolvida pelos homens em sociedade, e trabalho
pressupõe produção de algo.
Mas os formalistas russos, preferiram usar o termo ou
conceito construção, uma vez que o autor tem a sua disposição, material
literário, ao qual impõe um princípio construtor, isto é, uma determinada
intenção artística, de modo que a obra literária se configura como uma complexa
interacção de numerosos factores. Os formalistas centram de certa forma para o
conceito intertextualidade, uma vez que os textos mantém uma relação directa
com outros textos da sua época, autores, e de outras regiões, etc.
Autor empírico, autor textual, narrador
Autor é o primeiro agente e o primordial responsável da
enunciação literária, Aguiar e Silva entende enunciação literária como a
operação individual através da qual o autor se apropriação apenas da língua
literária.
Nos textos literários podemos identificar o autor
empírico, autor textual e o narrador.
O autor empírico é a pessoa real, o ser de carne e osso
integrado dentro de uma sociedade e identificável, aquele que existe no mundo
natural, cujo nome civil figura, regra geral na capa das suas obras, enquanto,
o autor textual é aquele que é criado pelo autor empírico, segundo Aguiar e
Silva, o autor textual é uma espécie de “segundo eu” que é inseparável à
totalidade de uma obra, e cuja imagem o leitor construirá como uma imagem
ficcional. Resumindo, o autor empírico possui existência jurídica, ‘e um ser
biológico e social enquanto o autor textual é uma entidade ficcional que tem o
papel de enunciador do texto, é uma entidade que existe efectivamente no texto
literário. O autor textual pode criar um ou mais narradores, que irão assumir a
função de entidade enunciadora do discurso.
O emissor e a poética formalista
A teoria formalista tende a abolir o pólo da comunicação
literária constituído pelo emissor. E liga o autor à obra, olhando-se o autor
como uma máscara e uma ficção criada na obra e, em geral parte da própria obra.
Do ponto de vista dos formalistas, o autor cria a obra, e a obra cria o seu
autor. O formalismo caracteriza-se na sua essência por desvalorizar o
emissor/autor, centrando-se na análise da obra literária em si, olhando-a como
uma convenção e não como imagem de uma vivência, ou como algo que mantém uma
relação entre a realidade e a ficção poética. É neste contexto que Mukarovsky
diz: “se a obra inacabada como esquisso, se apresenta como dependente ainda do
seu criador, a obra acabada, pelo contrário, é uma propriedade comum, privada
de um vínculo directo com o autor”. Verifica-se deste modo a desvalorização do
autor pelos formalistas, uma vez que consideram a obra acabada como uma
propriedade comum, sem nenhum vínculo com o autor. O formalismo exclui o autor,
uma vez que o considera irrelevante para a interpretação da obra, centrando-se
somente nos elementos textuais.
A supressão do emissor/autor na poética contemporânea
A poética contemporânea, continua sendo influenciada em
grande medida pelos princípios formalistas de transcendência do texto literário
em relação ao autor. E a eliminação radical do emissor/autor, representa uma
manifestação específica de um processo filosófico e ideológico mais amplo e
profundo que atingiu o seu ponto máximo na década de sessenta do século XX.
Do ponto de vista filosófico, a supressão do autor é
motivada pelo facto de o homem não dispor da linguagem, e é a linguagem que
dispõe do homem. Uma vez que o significado de um texto ultrapassa o seu autor.
A supressão do emissor/ autor na poética contemporânea
pode ser justificada pelo facto de se considerar o autor como um ser variável,
uma vez que, dispondo do material literário, ele vai destruindo e construindo
novos textos, estabelecendo sempre um diálogo com outros textos, imitando-os,
renovando-os, etc.
A supressão do emissor/autor, pode de certa forma ser
devida pelo facto de tentar dotar a obra de certos aspectos atemporais, bem
como motivado por factores socioeconómico, bem como histórico
Bibliografia
Aguiar e Silva. V.M. (1984). Teoria da Literatura, 6ª
edição. Coimbra. Livraria Almedina.
pp. 193-253