sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Rascunho sobre analise comparativa de dois textos literarios 'O domador de burros" de Aldino Muianga e 'Da galinha e do ovo" de Luandino Vieira.



Introdução

O presente trabalho visa fazer uma análise comparativa entre os contos “O Domador de Burros” e “Da Galinha e do Ovo”, de Aldino Muianga e José Luandino Vieira respectivamente.
A nossa análise focar-se-á no conceito intertextualidade, uma vez que os dois textos parecem estabelecer uma relação entre si, a nível do contexto social que os dois textos representam. Já que os contos apresentam acções que se desenrolam num momento histórico partilhado por dois espaços geográficos, nomeadamente, Moçambique e Angola, antigas colónias portuguesas.

O conto “ O domador de Burros”, narra a história de Jaime Totó, que segundo o texto é originário de Marracuene onde rouba dois burros e emigra para a cidade e vai se fixar no bairro de Matorsine, um dos subúrbios de Lourenço Marque (actual Maputo), e devido a sua dedicação pelo trabalho e artimanhas, consegue conquistar simpatias da maior parte dos moradores, no entanto, não consegue ganhar a simpatia do enfermeiro Maurício, amante da dona Vicentina, que via nos burros, ou seja, nos excrementos dos burros e nas tripas que Totó vendia um foco para a propagação de doenças. E devido a um incidente havido, causado pelo burro macho a pessoa da dona Vicentina na presença do enfermeiro Maurício, onde o burro demonstrou uma apreciação sexual pela dona Vicentina, e Maurício faz tudo ao seu alcance para se livrar dos burros e do seu “dono”, onde consegue influenciar o regedor a convocar uma reunião que tinha como objectivo condenar Jaime Totó. E para tal, organiza um discurso retórico, no sentido de apelar ao bom senso da comunidade sobre o mal que os burros e o seu dono representam a comunidade.
O conto “Da Galinha e do Ovo”, narra a história de duas vizinhas que disputam a posse de um ovo, a Nga Zefa, dona da galinha, e Bina, “suposta dona do ovo”, e para justificar a posse do ovo, Bina, socorre-se de um discurso retórico para convencer a dona e ao público que o ovo posto pela galinha da Nga Zefa, na casa por si arrendada lhe pertence. Mas não é Bina e Zefa que reclamam o ovo para si, pois outras várias personagem que são convidadas para ajudarem na resolução do conflito, também socorrem-se do discurso argumentativo para reclamar a posse do ovo. O que dificulta na resolução do conflito entre as duas vizinhas.

   
Pontos de intersecção
Estes dois contos mantêm uma relação de semelhança, na medida que os dois contos retratam uma sociedade inserida num contexto colonial ou seja num momento histórico semelhante, bem como pelo espaço onde decorrem as acções, isto é, as acções desenrolam-se nos subúrbios das capitais, nomeadamente, Matorsine (Lourenço Marques ou seja Maputo) e  Sambizanga ( Luanda), capital de Moçambique e Angola respectivamente  e por serem narrados por um narrador heterodiegético, isto é, o narrador só relata factos por si observados, não fazendo parte do enredo. E por terem como objecto de conflito, um animal, no caso concreto do conto “O domador de burros” o objecto de conflito são os  burros enquanto, no conto “  “Da galinha e do ovo” o objecto de conflito é a posse de um ovo da galinha Cabíri. E ainda mantém semelhança na medida que os personagens para lograrem os seus intentos socorrem-se de um discurso retórico, de modo a tentar provar que o ovo lhes pertence. E no conto o domador de burros, Maurício para se livrar de Toto, também recorre ao discurso retórico para convencer a população de Matorsine a apoiar a sua ideia.
E para ilustrar os pontos de intersecção entre os dois textos, analisaremos as personagens: enfermeiro Maurício, personagem do conto de Muianga e a personagem Bina do conto de Luandino Vieira.
Maurício para convencer ao público sobre os malefícios que a presença do burro e do seu “dono” podem causar a comunidade, centra o seu discurso nas doenças provocadas pelos excrementos deixados pelo burro, bem como pela presença das moscas, que abundam no bairro convidadas pelo cheiro nauseabundo causado pelas tripas vendidas por Totó, alegando que os excrementos causam um cheiro insuportável e as moscas são vectores de doenças graves.
E Bina para convencer o público e a Zefa que o ovo lhe pertence, centra o seu discurso no facto de ter alimentado a galinha e também pelo facto de a galinha ter posto o ovo em sua casa, para além da Zefa não ter demonstrado nenhuma objecção no momento em que ela alimentava a galinha com o milho comprado na loja do Sô Zé.
Outro elemento de intersecção é o facto dos dois contos apresentarem personagens que supostamente percebem a língua dos animas. No conto de Muianga temos a personagem Totó que interpreta a língua dos burros e adivinhando o futuro dos membros da comunidade. E no conto de Luandino este papel coube ao personagem Beto, filho da Zefa que de acordo com o texto, a galinha confidencia-lhe sobre a quem devia pertencer o ovo.
E outro elemento que aproxima os dois textos é o facto de os dois textos apresentarem animais que em algum momento da narração os animais apresentarem comportamento idêntico ao do ser humano, por exemplo, o burro adivinha o “prevê” o futuro das pessoas e a galinha “diz” a quem pertence o ovo. Tal como ilustra o seguinte trecho:
“- Hoiiimmm!...Hoiimmm!...- é Swing a estrebuchar de novo , na adivinhação do futuro doutro espectador.”(Muianga.p.13)

“ – a galinha fala assim, vavó:
Ngexile kua ngata Zefa
Ngala ngó ku kakela
Ka…ka…ka…kakela, kakela…”( Vieira,p.135)

Nos trechos acima apresentados verifica-se de forma explícita que os animas demonstram qualidades humanas.
O desfecho também apresenta elementos que aproximam os dois textos, pois, no conto de Muianga, Totó ao se aperceber da presença do verdadeiro dono e também pelo facto de estar a ser procurado pelas autoridades, fogem ou seja consegue escapar. E no conto de Luandino, Beto ao se aperceber que os membros da patrulha pretendiam se apropriar da galinha, emitem sons idênticos a fala das galinhas, chamando-a, e esta consegue se escapar das mãos do soldado, fugindo para bem longe.  
Os dois contos dialogam na medida que, narram as vivência de comunidades que inseridas num contexto colonial, onde a descriminação é o prato forte, o controlo das actividades comerciais estão nas mãos dos brancos, isto é, os exploradores. E também pelo facto de as acções estarem centralizadas num subúrbios da cidade capital. Para o caso do conto “O domador de burros” as acções estão centralizadas no bairro de Matorsine um dos subúrbios de Lourenço Marques (actual Maputo) e no conto “Da galinha e do ovo” as acções decorrem num subúrbio de Luanda ( capital angolana),isto é, o musseque Sambizanga.

 
Pontos de divergência
O dois contos em análise, divergem  no que se refere ao tempo da diegese, pois para o conto de Muianga as acções principais dão-se num período longo ou seja vários dias, enquanto, no conto de Vieira, as acções tem lugar numa tarde.
No que respeita as personagens temos no conto de Muianga, Toto que para fazer valer as suas artimanhas maltrata o animal, ao enfiar beatas de cigarro no ouvido do animal, e devido as dores provocadas pela queima do cigarro o animal mungia e este fingia que o animal estava a dizer o resultado da consulta, importa referir que os burros eram produto do roubo, pois segundo o texto, os burros são da pertença de Spanela, um camponês de Marracuene. Toto ao roubar o burro tinha como objectivo acumular dinheiro resultante do trabalho prestado pelos burros na cidade. O texto apresenta ainda personagens unidas, ao rebaterem em falso todas as acusações proferidas pelo enfermeiro a pessoa de Jaime Toto.
No conto de Luandino, temos personagem que se caracterizam por estarem divididas ou seja há falta de união o que dificulta a resolução do conflito existente, e ao serem convocadas as personagem sô Ze, sô Vitalino, Lemos, etc, estes aproveitam-se da desunião do grupo para se apropriarem da galinha e do ovo.
No que concerne a identidade os dois contos divergem uma vez que no conto de Muianga, o texto apresenta-nos personagens que demonstram-se contra os princípios ocidentais, por exemplo ao negar que os excrementos são um foco de doença e defende que servem como estrume no lugar de usar produtos químicos que segundo o texto matam as culturas.
“ Já não precisamos de ir a cidade para comprar esses pós que só nos envenenam as terras” (Muianga. 18)
O trecho acima demonstra de forma clara o conflito entre os princípios ocidentais e tradicionais sobre como deve-se tratar a terra para a prática da agricultura.
E o texto de Luandino verifica-se o uso de elementos da língua local no português, o que demonstra uma ruptura com a língua imposta ou seja com a matriz colonizadora, e uma tentativa de resgatar a tradição local.
“ Um murmúrio de aprovação saiu do grupo, mas nga Zefa não desistiu: o ovo não ia lhe deixar voar no fim de passar tanta discussão. Saltou na frente do rapaz, tirou-lhe o ovo da mão, muxoxou:” (Vieira, p. 137)
Com a introdução de elementos da língua local, supõe-se que haja uma tentativa de resgatar e salvaguardar a tradição.


Conclusão
Concluímos que os dois textos mantêm uma relação de intertextualidade, uma vez que retratam ou seja narram acções que se desenrolaram num momento histórico partilhado por dois povos separados geograficamente, mas que têm um elemento comum, no caso concreto, o colonialismo português. Verifica-se que apesar das divergências entre si, as personagens demonstram uma grande união contra o sistema em vigor. Isto é demonstrado pela negação dos princípios ocidentais na resolução dos seus problemas. Mas também ilustra os conflitos existentes entre os assimilados e o resto da população no que refere a forma como devem ser resolvidos os problemas da comunidade.